Queima a Amazônia, derrete a imagem do Brasil

A imagem pública de uma marca está diretamente associada à sua capacidade de produzir experiências concretas positivas, bem como a de gerar uma percepção simbólica em sintonia com os valores de seus stakeholders e a opinião pública. Esse raciocínio vale tanto para empresas, instituições, governos e lugares.

A preocupação com a imagem de lugares, a exemplo de bairros, cidades, estados e países, não é algo novo. Pelo contrário, perpassa diferentes áreas do conhecimento e já acumula uma série de experiências já aplicadas em todo o mundo.

Sua construção não ocorre da noite para o dia. Envolve aspectos inerentes à cultura e às vocações locais e requer a junção de esforços a longo prazo de diferentes agentes sociais – públicos, privados e terceiro setor. O intuito é potencializar as identidades e fortalecer aquele lugar de maneira concreta e simbólica, gerando reflexos positivos para a economia, o social e a qualidade de vida.Trata-se do place branding, a gestão de marcas-lugar.

Assim como cada país, ao longo do tempo a imagem pública da marca “Brasil” foi sendo construída baseada em determinados estereótipos. Até o século XIX, predominou a imagem associada às suas características geográficas e culturais: a extensão territorial, os recursos naturais abundantes e a sensualidade do seu povo. Ao longo do século XX, tais atributos foram consolidados pela arte e a industrial cultural, tanto no cenário nacional quanto internacional. O samba, o futebol e o carnaval talvez sejam suas maiores expressões. Também foram associadas a essa imagem nossas mazelas sociais, como a corrupção, a violência urbana, a miséria e a desigualdade; e outros relativos à figura do brasileiro, por vezes percebido como alegre e cordial, por vezes visto como malandro. Temos assim o famoso estereótipo do “jeitinho brasileiro”.

Se tais atributos à imagem pública do Brasil são fidedignos totalmente ou parcialmente, devido às nossas vocações e características, também é fato que muitos outros elementos os quais compõem nossa identidade talvez tenham sido preteridos. Nas últimas três décadas, uma série de esforços foram empregados, por diferentes agentes e governos, com o intuito de gerar uma imagem pública menos estereotipada e mais diversa de um país emergente que chegou a ocupar a 6a maior economia do mundo em 2011. Mesmo com as crises internas dos últimos anos e a queda para a 9a posição no ranking das maiores economias em 2018, o zelo com essa questão refletiu positivamente em várias áreas, incluindo nossa participação cada vez mais expressiva no comércio exterior. Destaque para a agricultura, a mineração, a manufatura e os serviços.

E boa parte do crescente desempenho brasileiro em mercados internacionais ao longo desse período deveu-se muito em função da revalorização gradativa do país, em ações concretas e simbólicas, àquela que sempre foi sua principal identidade: seu patrimônio ambiental. Com a crescente preocupação mundial acerca do futuro do Planeta e um consumidor mais consciente sobre o uso de recursos naturais, as políticas públicas de preservação ambiental e produção sustentável fortaleciam a imagem pública de um país sintonizado com estes valores. Até mesmo a iniciativa privada teve de repensar seus negócios, produtos e processos considerando esta nova ordem mundial, sob pena de perder mercado. Especialmente a partir dos anos 2000, cresce o engajamento do consumidor às marcas associadas verdadeiramente a causas de natureza humana, social e ambiental. É o que veio a se chamar de Marketing 3.0, em que o cidadão-consumir não busca apenas um produto, mas o propósito por trás daquela marca.

Neste contexto, os recentes incêndios na Amazônia dizem muito sobre como a marca “Brasil” vem sendo maltratada por aqueles que mais deveriam protegê-la e potencializá-la. Como mencionado no início deste artigo, uma imagem pública é a simbiose entre algo concreto e simbólico. No caso concreto, é possível apontar que a marca “Brasil” hoje está sendo gerenciada por agentes públicos que não compreendem esta ordem mundial voltada à produção sustentável, desqualificam a ciência e legitimam as condições para que nossos ativos naturais sejam degradados, sob diferentes pretextos. A partir de uma política ambiental equivocada, com estímulo a técnicas agrícolas predatórias, a mineração e outras atividades produtivas em áreas indígenas e de preservação, os incêndios na maior floresta tropical do mundo certamente preocupam.

Perceba, no entanto, que esse fato se constitui em uma crise de imagem somente a partir das declarações daquele que ocupa o maior cargo político do país e membros do seu staff, ganhando assim uma conotação simbólica. A retórica com que os porta-vozes oficias da marca “Brasil” trataram a questão no seu início, levantando suposições sem comprovação; desresponsabilizando-se sobre o problema; minimizando a situação em relação a outras agendas; desqualificando outros países; e adjetivando estadistas mundiais de forma constrangedora, associou ao problema concreto uma série de simbologias que então o tornaram uma grande crise de imagem com proporções internacionais. Acordos e relações comerciais já estão sob risco, e se confirmados irão impactar nas exportações, no consumo e nos empregos.

Estamos, portanto, diante de pelo menos dois problemas graves: de um lado, a própria degradação do nosso principal ativo natural e real, essencial para a vida do Planeta e a saúde dos povos; do outro, na medida em que esse patrimônio queima e os porta-vozes oficiais da marca “Brasil” jogam mais combustível nesse incêndio, nossa imagem derrete lá fora, com reflexos que logo serão percebidos para além do campo simbólico, ou seja, nos campos econômico e social da nação. Uma verdadeira reação em cadeia.


Publicado

em

por

Etiquetas:

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *